Revistas Predatórias: o que são e como evitá-las?
A comunidade científica tem enfrentado cada vez mais o impacto crescente do fenômeno publish or perish (publique ou pereça), que leva muitos pesquisadores a adotarem práticas questionáveis para obter notoriedade e assegurar a publicação contínua de seus trabalhos.
Contribuindo com esse fenômeno, recebemos cotidianamente e-mails como: "Em nome do Conselho Editorial, gostaríamos de convidá-lo a submeter um artigo à nossa revista, pois sua pesquisa e experiência seriam uma valiosa contribuição para nossa publicação." Ou ainda, uma mensagem informando que um artigo seu apresentado em um evento foi aprovado para publicação em um periódico, mesmo que você nunca tenha submetido o manuscrito à revista.
Atitudes como essa são recorrentes e comum entre as ditas “publicações predatórias”, termo cunhado em 2010 pelo bibliotecário Jeffrey Beall para descrever periódicos e editores que adotam práticas antiéticas e não profissionais visando a obtenção de lucro e a publicação a qualquer custo. Nesse mesmo ano, Beall publicou uma lista de revistas de "acesso aberto" que não cumpriam os requisitos de revisão por pares (peer-review) e aceitavam qualquer artigo mediante pagamento de taxas. A lista tornou-se conhecida na comunidade acadêmica e foi descontinuada por Beall em 2017 (Guimarães & Hayashi, 2023).
Um conceito de revista predatória foi apresentado por 43 participantes em um evento realizado em Ottawa, Canadá, em abril de 2019. Os participantes representavam uma ampla diversidade de perspectivas, incluindo sociedades editoriais, financiadores de pesquisa, pesquisadores, formuladores de políticas, instituições acadêmicas e bibliotecas. Embora o foco do evento tenha sido direcionado às ciências biomédicas, os participantes ressaltam que as recomendações e definições apresentadas são amplamente aplicáveis a todas as áreas do conhecimento (Grudniewicz et al., 2019).
Assim, definem revistas e editoras predatórias como aquelas que priorizam interesses próprios em detrimento do avanço acadêmico, sendo caracterizadas por declarações enganosas, desvios das melhores práticas editoriais, falta de transparência e táticas de solicitação agressivas (Grudniewicz et al., 2019).
Apesar de não haver consenso absoluto sobre os critérios que definem periódicos fraudulentos, alguns indícios são amplamente reconhecidos pelos autores, como:
Sites e e-mails frequentemente apresentam dados inconsistentes, como fatores de impacto falsos, endereços errados, conselhos editoriais fictícios ou mal representados, e alegações enganosas sobre rigor acadêmico;
Páginas mal elaboradas, com erros de gramática e ortografia, imagens de baixa qualidade e conteúdo promocional, indicam falta de profissionalismo;
Desvio das melhores práticas editoriais e de publicação;
Falta de transparência nos procedimentos operacionais, como as decisões editoriais são tomadas, as taxas aplicadas e a revisão por pares;
Solicitação agressiva e indiscriminada, por meio de convites insistentes e repetitivos para submissões;
Aceitação de artigos ocorre rapidamente, sem revisões rigorosas ou verificações de qualidade, como detecção de plágio ou aprovação ética; e
Cobrança de valores elevados, frequentemente revelados apenas após a aceitação do manuscrito.
Além desses aspectos, acrescento o grande número de artigos publicados em uma mesma edição, os prazos entre submissão e publicação consideravelmente curtos, o que compromete a revisão por pares, as práticas de comunicação via canais informais (ex. WhatsApp) e a possibilidade de publicação de artigos com um grande número de autores por trabalho.
Identificar um periódico predatório pode ser desafiador. Guimarães e Hayashi (2023) destacam alguns indicadores, como sites com conteúdo promocional, localizações falsas, ausência de contatos institucionais, escopo excessivamente abrangente e falta de transparência no processo editorial.
No entanto, ferramentas como a Lista de Beall, a Cabells Scholarly Analytics e o Preda Qualis podem ajudar os pesquisadores a identificar e evitar esses periódicos:
Lista de Beall: idealizada por Jeffrey Beall, com sua primeira versão lançada em 2010 e desativada pelo próprio autor em janeiro de 2017, a lista foi retomada de forma anônima e é atualizada periodicamente, podendo ser acessada em https://beallslist.net/. Os critérios utilizados para identificar editores predatórios estão disponíveis em https://beallslist.net/how-to-recognize-predatory-journals/.
Cabells Scholarly Analytics: plataforma de acesso pago, desenvolvida para auxiliar pesquisadores e instituições na identificação de periódicos acadêmicos confiáveis para publicação. A plataforma é mantida pela Cabells e pode ser acessada em https://cabells.com/solutions/predatory-reports.
Preda Qualis: criada por Paulo Inácio Prado, Roberto André Kraenkel e Renato Mendes Coutinho, tem como objetivo identificar e categorizar periódicos predatórios no contexto do Qualis Periódicos, sistema de avaliação de periódicos utilizado pela CAPES no Brasil. Mais informações estão disponíveis em https://predaqualis.netlify.app/.
Para aprofundar o tema, recomendo a leitura dos seguintes materiais:
"Revistas predatórias e ciência de baixo impacto: cortando o mal pela raiz", disponível no Jornal da USP, que discute as consequências dessa prática para a qualidade da produção científica global. Leia.
"Predatory journals: no definition, no defence", publicado na revista Nature, que enfatiza a ausência de uma definição consensual para revistas predatórias e a necessidade de critérios claros para combatê-las e preservar a integridade da comunicação científica. Leia.
"Revistas predatórias: um inimigo a ser combatido na comunicação científica", publicado na Revista Digital de Biblioteconomia e Ciência da Informação, apresenta uma análise detalhada do crescimento dessas publicações no país, abordando suas características, formas de identificação e os impactos éticos dessa prática no meio acadêmico. Leia.
É evidente que o fenômeno das revistas predatórias representa uma ameaça séria à integridade e à qualidade da produção científica, comprometendo não apenas a confiança na literatura acadêmica, mas também os recursos e o tempo de pesquisadores ao redor do mundo. Diante disso, torna-se imprescindível que a comunidade científica se engaje ativamente na identificação e no combate a essas práticas, adotando ferramentas confiáveis, como as mencionadas neste texto, e ampliando a conscientização sobre o problema. Entendo que os pesquisadores, ao cederem às facilidades oferecidas por esses periódicos, também contribuem para o crescimento dessa prática antiética.
E, para você, como podemos fortalecer os mecanismos de revisão por pares e a transparência editorial para reduzir a influência desses periódicos?
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Nota 1: Este texto contou com o suporte da ferramenta ChatGPT-4 para geração da imagem de capa, revisão final e aprimoramento da escrita, sendo o autor totalmente responsável pelas informações aqui apresentadas.
Nota 2: A imagem de capa apresenta uma metáfora visual para representar o conceito de "revistas predatórias". Um lobo, símbolo de astúcia e ameaça, segura um journal cuja capa exibe uma ovelha, sugerindo uma fachada de legitimidade.
Referências:
Grudniewicz, A., Moher, D., Cobey, K. D., Bryson, G. L., Cukier, S., Allen, K., ... & Lalu, M. M. (2019). Predatory journals: No definition, no defence. Nature, 576(7786), 210-212. https://doi.org/10.1038/d41586-019-03759-y
Guimarães, J. A. C., & Hayashi, M. C. P. I. (2023). Revistas predatórias: Um inimigo a ser combatido na comunicação científica. Revista Digital de Biblioteconomia e Ciência da Informação, 21, e022023. https://doi.org/10.20396/rdbci.v21i00.8671811